Projeto de Lei 4.630/2009

 PROJETO DE LEI Nº 4.630, DE 2009

Do Sr. Carlos Bezerra

Altera a Lei nº 9.985, de 2000, que “regulamenta o art. 225, § 1º, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências”, no que diz respeito à proteção dos sítios espeleológicos do território nacional

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O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º A Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 44-A:

“Art. 44-A. As cavidades naturais subterrâneas constituem patrimônio nacional, cabendo à União identificar e delimitar os sítios espeleológicos existentes no território nacional, para sua transformação em Áreas de Proteção Ambiental (APAs).

§ 1º Entende-se por:

I – cavidade natural subterrânea: todo e qualquer espaço subterrâneo acessível ao ser humano, com ou sem abertura identificada, popularmente conhecido como caverna, gruta, lapa, toca, abismo, furna ou buraco, incluindo seu ambiente, conteúdo mineral e hídrico, a fauna e a flora ali encontrados e o corpo rochoso onde os mesmos se inserem, formados por processos naturais, independentemente de suas dimensões ou rocha encaixante.

II – sítio espeleológico: as áreas geomorfologicamente identificáveis de ocorrência de cavidades naturais subterrâneas e outras feições superficiais e subterrâneas a elas associadas.

§ 2º O Plano de Manejo de cada APA indicará, entre outras medidas, os elementos a serem especialmente conservados e as medidas necessárias para sua proteção, bem como o zoneamento e as propostas de criação de outras categorias de unidades de conservação na área, quando for o caso.

§ 3º Integrarão unidade de conservação de proteção integral, considerada zona de preservação da APA, as cavidades naturais subterrâneas dotadas de uma ou mais das seguintes características:

I – atributos especiais relativos à sua gênese e morfologia, hidrogeologia e dimensões;

II – espeleotemas raros;

III – espécies da flora e da fauna endêmicos, raros ou ameaçados de extinção, em especial os troglóbios endêmicos ou relictos;

IV – depósitos fossilíferos e vestígios arqueológicos;

V – valor paisagístico, turístico ou religioso, e

VI – outras características que justifiquem a preservação da área, a critério do órgão ambiental competente.

§ 4º Nas APAs criadas para a proteção dos sítios espeleológicos, dependem de licenciamento prévio pelo órgão ambiental competente e de anuência prévia do conselho da APA, a localização, a construção, a instalação, a ampliação, a modificação e a operação de empreendimentos e atividades, bem como de políticas, programas e projetos, de caráter permanente ou transitório, que possam causar danos significativos às cavidades naturais subterrâneas, com base em Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA).

§ 5º Em caso de licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades nos termos do parágrafo anterior, os recursos oriundos da compensação ambiental disciplinados no art. 36 desta lei serão obrigatoriamente na conservação do sítio espeleológico existente na APA.

§ 6º É vedado o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades na zona de preservação da APA portadora de sítio espeleológico.

§ 7º A União implantará o Cadastro Nacional do Patrimônio Espeleológico, ao qual dará publicidade, por meio da rede internacional de computadores.

Art. 2º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação oficial.

JUSTIFICAÇÃO

As cavernas figuram entre os ecossistemas mais peculiares do planeta. Formadas pela ação da água sobre a rocha matriz, elas abrangem um complexo sistema de canais horizontais e verticais subterrâneos de impressionante beleza. No dizer do eminente espeleólogo brasileiro Cleyton Lino, elas suscitam temor, desejo, respeito e ansiedade, pois o interior de uma caverna constitui um mundo sem luz e sem verde vegetal, onde o visitante perde a noção do tempo e das estações.

As cavernas podem ser provenientes de diversos tipos de rocha, mas a grande maioria ocorre em rocha calcária. É nas grutas calcárias que ocorrem os famosos estalactites e estalagmites, as cortinas, as represas de travertino, as pérolas de caverna, os cálices, as flores de calcita, de gipsita e de aragonita, cabelos de anjo, agulhas, dentes de cão, vulcões e outros espeleotemas, uns comuns, outros raros, que resultam da deposição mineral nas paredes, no teto e no chão das cavernas e transformam seus salões e galerias em um ambiente mágico.

Mas, talvez seja na flora e na fauna habitante das cavernas e nas suas relações ecológicas com o meio que possamos observar seu aspecto mais espetacular. Ao contrário do que aparentam ao visitante pouco experiente, as cavernas não são mundos despovoados. Aí vivem ricas comunidades biológicas, umas em contato constante com o exterior, outras muito especializadas, prisioneiras do mundo subterrâneo.

A distribuição das comunidades biológicas está relacionada com os fatores físicos e com a disponibilidade de nutrientes. As cavernas são ambientes muito mais estáveis que o meio exterior, no que diz respeito à temperatura e à umidade relativa do ar, mas essa estabilidade não é contínua em todas a sua extensão.

As entradas da gruta são o ambiente mais próximo do exterior, com incidência direta e indireta de luz e temperatura e umidade variando conforme esse meio. A luz propicia a ocorrência de vegetação arbórea e arbustiva, que, nas regiões secas, torna-se mais rica que no exterior da gruta, devido às melhores condições microclimáticas. Nas entradas ocorrem animais que visitam a caverna, mas não têm seu ciclo de vida circunscrito a ela, como ratos, lontras, pacas, gambás, corujas, cobras, sapos e rãs, moluscos e muitos insetos.

Mais para dentro da caverna, a luz torna-se totalmente ausente. Nos primeiros estágios, a temperatura e a umidade ainda são variáveis, em função das correntes de ar entre os meios interior e exterior. Nos estágios mais distantes da entrada, o ambiente torna-se estável. A temperatura é constante e amena, a umidade relativa do ar é elevada. É o ambiente dos fungos, das algas e bactérias, dos actinomicetos e dos troglóbios.

Os troglóbios são os animais verdadeiramente cavernícolas, pois seu ciclo de vida completo ocorre nas cavidades subterrâneas. De modo geral, as populações são pequenas e os indivíduos apresentam órgãos da visão atrofiados, são despigmentados, possuem apêndices táteis muito desenvolvidos, têm alta sensibilidade química e mecânica, possuem baixo metabolismo, o crescimento é lento e o ciclo de vida longo. São prisioneiros das cavernas, dado o seu alto nível de adaptação ao ambiente. São adaptações a um ambiente estável, sem luz e com baixa disponibilidade de alimento.

O baixo aporte de nutrientes nos ecossistemas cavernícolas deve-se à ausência de luz e de plantas fotossintetizantes e condiciona sua teia alimentar. Embora existam bactérias capazes de produzir alimento sem luz, a maior parte dos nutrientes que sustentam a vida nas cavernas provém do mundo externo, trazida pelos rios e por animais que vivem fora e dentro das grutas. A cadeia alimentar baseia-se na reciclagem da matéria orgânica morta. O guano, como são denominadas as fezes produzidas pelos morcegos, serve de alimento para fungos, bactérias, insetos, aranhas e numerosos representantes da microfauna.

Outro elemento determinante para a vida nas cavernas são os cursos d’água. Além do aporte de nutrientes, os rios servem como vias de penetração e são o hábitat de numerosas espécies de moluscos, peixes e crustáceos, como pitus e tatuís. Um dos mais famosos peixes cavernícolas do Brasil é o bagre cego, encontrado em grutas do vale do Ribeira, em São Paulo.

Por fim, não podemos deixar de mencionar a importância das cavernas para a paleontologia e para a arqueologia. A proteção proporcionada pelo teto, a ausência de luz e de raízes de plantas e as condições alcalinas do solo e da água transformam as grutas em ambientes muito favoráveis à conservação dos fósseis, tornando-as depósitos paleontológicos e arqueológicos muito mais ricos que os de superfície. Foi nas cavernas do vale do rio das Velhas, em Minas Gerais, que Peter Lund realizou os primeiros trabalhos dessa natureza no Brasil, nas décadas de 1830 e 1840, descobrindo fósseis dos antigos mamíferos que habitaram a América do Sul, como a preguiça gigante, o tatu gigante, ursos, cavalos e o tigre de dente de sabre. As cavernas têm sido promissoras também para os estudos da préhistória sul-americana, pela descoberta de fósseis humanos, artefatos, túmulos e pinturas rupestres.

As cavernas são, portanto, um patrimônio natural e cultural valorosíssimo. Por força da Constituição, art. 20, X, elas foram declaradas bens da União, a quem cabe protege-lo, com o apoio das instituições científicas e culturais, da comunidade espeleológica brasileira e de toda a sociedade civil.

Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente, o País conta, atualmente, com sete mil cavernas identificadas, estimando-se que elas alcançam apenas 7% de todo o potencial espeleológico nacional. Por outro lado, existe grande pressão sobre essas áreas, dado o seu potencial para a mineração.

Portanto, é dever da União zelar pelos seus bens, estabelecendo medidas concretas para a sua conservação e, ao mesmo tempo, garantindo as condições para que o desenvolvimento econômico dessas áreas ocorra dentro de critérios de sustentabilidade ambiental.

Entendo que as medidas contidas neste projeto de lei podem contribuir de forma significativa para conservar o patrimônio espeleológico brasileiro. A transformação dos sítios espeleológicos em Áreas de Proteção Ambiental colocará essas áreas sob especial proteção do Poder Público, em parceria com a sociedade civil. Além disso, a exigência de licenciamento ambiental e de anuência do conselho da APA para implantação de empreendimentos potencialmente degradadores desses sítios evitará a sua destruição e permitirá o estabelecimento de medidas preventivas, para que as atividades econômicas sejam desenvolvidas de forma sustentável.

Em vista do exposto, conto com o apoio dos ilustres Pares, para a aprovação deste projeto de lei.

Sala das Sessões, em de de 2009.

Deputado CARLOS BEZERRA

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